não te deixarei morrer.

Lembro-me bem daquele livro de infância onde o herói era emboscado por um grupo de guerreiros e ficava inconsciente, sendo levado para o acampamento destes.

Aí, dentro de uma tenda, alguém cuidava dele, tratando as suas feridas e zelando por ele. A determinada altura, esse alguém murmurava para o herói inconsciente "não te deixarei morrer".

Durante muito tempo preservei esta frase na minha memória à luz do seu significado mais óbvio: Eu era esse herói que queria correr mundos e riscos, viver aventuras, desvendar mistérios, vencer desafios e ultrapassar obstáculos. Iria, fatalmente, sofrer, levar pancada e ficar, por vezes, inconsciente. Mas ao meu lado haveria sempre alguém que cuidaria das minhas feridas e me murmuraria ao ouvido quando eu estivesse inconsciente: "não te deixarei morrer".

E, só por isto, eu sobreviveria a todos os combates.

Agora não me restam dúvidas sobre este tipo de combates, emboscadas e comportamentos humanos perante os heróis inconscientes. Agora percebo que toda a minha interpretação desta cena estava errada. O meu herói representa sim a minha crença de que seria possível uma vida de aventuras, riscos, mistérios desvendados, encontros e desencontros que, por mais difíceis que parecessem, seriam sempre possíveis de ultrapassar (sim, de ultrapassar e não de contornar).

Mais do que isso, o meu herói de infância representa um excesso de ingenuidade e a crença na hipótese fantástica da felicidade para sempre, na capacidade de sobreviver e ultrapassar momentos de tempestade acreditando que "nunca iríamos morrer" mesmo que ficássemos inconscientes após o duro combate.

Agora percebo que este meu herói apenas nos diz que há coisas que se podem perder. Nomeadamente a ilusão que é possível controlarmos tudo, e que nos mostra que a nossa maior luta passa por aceitar que nem tudo depende de nós.

Inspirado, adaptado e em algumas partes plagiado de Miguel Sousa Tavares @"Não te deixarei morrer, David Crockett". 

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