Reza a história que "Parar é Morrer". Mentira. Morrer é ir andando.
Viver, é largar e seguir em frente.

"Não és adepta das segundas oportunidades?" perguntava-me outro dia Albert, numa das nossas habituais conversas filosóficas sobre quantos sentidos tem a vida, se é que tem de ter algum que não seja só o de vivê-la em pleno.

Sorri-lhe. "Mais do que das segundas oportunidades Albert, já fui adepta das terceiras, das quartas e até de tantas quantas as que nós acreditamos que as pessoas que gostamos merecem. Até ao dia em que o círculo se fecha. Até ao dia em que finalmente aceitamos que as pessoas não mudam. Apenas se transformam naquilo que realmente são", disse-lhe com alguma mágoa ao recordar os acontecimentos do último ano.

Albert coçou a barba e, dos seus profundos olhos negros cujo fundo deixa adivinhar o início da sua alma perguntou: "Fechaste o círculo, ou um ciclo?"

Fiquei silenciosa enquanto olhava para ele e pensava no que responder.

Nunca tinha analisado tudo o que me tinha acontecido neste último ano nessa perspectiva. Nunca tinha visto as coisas como um círculo ou ciclo que se fechou mas sim como um coração cujo diâmetro, outrora quase infinito, implodiu e definhou a um ponto de quase sem retorno.

É quando nos encontramos na fronteira do desconhecido, naquele ponto de desiquilíbrio, que somos tentados a desistir de pensar no sentido da vida. Parecendo que não, isso acaba por nos impedir de fazer outras coisas que acabam por dar um sentido muito próprio à própria vida.

AS memórias sempre foram o caule que sustentou cada pétala do DNA que compõe a minha história de vida. Sempre me orgulhei da facilidade com que me recordava de tudo, até das datas de aniversário das pessoas que me foram especiais e que a vida, por razões que a própria razão desconhece ou se recusa a aceitar, fez questão de afastar.

Mas um dia algo acontece que não queremos recordar. Que não queremos guardar connosco. Queremos limpar essa recordação, essa música, esse retrato da nossa biblioteca de vida. E queremos esquecer. Mas como se esquece? Como se faz algo que nunca aprendemos antes? Pegamos na borracha e apagamos aquilo que já se viveu, como se a nossa memória de uma sebenta se tratasse? Fazemos Shift + Delete? Format C:?

É à custa de tanto querermos recordar para sempre as coisas ou de as querermos gerir, que acabamos por perder o controlo sobre o que queremos ou podemos esquecer, assim como perdemos o controlo sobre o que queremos ou fazemos questão de recordar. E é nesse preciso momento que aprendemos que há coisas que queremos que se libertem de nós e não conseguimos imaginar que não nos precisem. Coisas que queremos que nos deixem em paz e sabemos que sem elas não há paz possível. Que nem com elas há paz possível.

Habituados às rotinas diárias, à velocidade dos dias que passam iguais a tantos outros, acabamos por nos distrair e entrar em contramão nas curvas e contracurvas da vida. E é entre uma curva e outra, que damos conta que por nós passaram sonhos que ficaram perdidos, projectos que desapareceram, vontades que ficaram nos bastidores. E esta vida, que no início era "tão nossa", às tantas não passa de "qualquer coisa". E damos por nós a questionamos-nos como é possível termos deixado que a vida nos possa ter consumido o sorriso que tantas vezes deixámos nos outros, vezes sem conta.

Albert despertou-me dos meus pensamentos ao perguntar-me "Emma... A resposta é assim tão complicada?"

"Não. Apenas me fez pensar" - respondi-lhe - "Não fechei um círculo nem um ciclo. Até poderia ser adepta das segundas oportunidades não tivesse o destino se encarregue de me mostrar que paz de espírito passa por mergulharmos dentro de nós, num mundo só nosso onde o mal não nos atinge, onde estamos abrigados de todas as ciladas e traições, de todas as desilusões e tristezas."

Reza a história que "Parar é Morrer". Mentira. Morrer é ir andando. Viver é largar e seguir em frente. Mesmo que em frente esteja apenas o incerto, o desconhecido e o não vivido.

Não podemos virar as costas à vida, porque esta esgota-se e só Deus sabe o que virá depois. Se é que algo virá depois.