Todos nós temos amores e ódios na vida. Eu pelo menos tenho-os e, sendo uma pessoa que dificilmente consegue viver nas temperaturas mornas da vida ou com assuntos deixados em banho-maria, assumo publicamente a minha incapacidade de ensinar aos meus filhos que a vida pode ser vivida no modo tépido. Ou, usando uma expressão da minha querida mãe quando eu me debatia ferozmente em criança pelo estatuto de beber o leite branco acabado de sair do frigorífico: "Não. Vou só quebrar a friura, está muito gelado."

"(...) quebrar a friura"

Na vida não há "friura" que se quebre. Nem a do leite, nem a das amizades, nem a do amor. Na vida nada se quebra, tudo se derrete. Derrete-se o gelo dos outros e dos seus corações pelo poder de saber ouvir em silêncio, de estar presente mesmo quando estamos ausentes, pelo poder da surpresa que nos faz sentir tão especiais naquele momento em que nos sentimos tão frágeis.

Aos meus filhos esforço-me por ensinar que na vida é preciso dizer a verdade mesmo quando a nossa voz treme. Que o nosso dever é dar tudo de nós e mergulhar nas coisas de coração cheio. Que a vida é para ser vivida em pleno e não a meia-haste.

Que se ama, ou se odeia.
Que se adora ou se detesta.
Que é preto ou é branco.
O cinzento é terra de ninguém.

A vida só é vida quando temos a coragem de sair da fila em direcção ao desconhecido e explorar caminhos onde ainda há muito por conhecer. Que o nosso carácter tem de ser guiado pela luz das estrelas e não pelas luzes de cada navio que passa no horizonte. E, acima de tudo, temos de ter a humildade de reconhecer que, sem os outros, não somos ninguém e que sozinhos é impossível chegarmos ao cume.

E neste aspecto, a Simone é igual a mim. Entrega-se de corpo e alma às coisas que ama e revolta-se por ser obrigada, pelas vicissitudes da vida, a perder tempo precioso para aprender aquilo que considera supérfluo para a sua felicidade e para o seu futuro.

Ao contrário de Simão, que acaba por ver e analisar a vida pelo prisma da arte, será uma mulher pragmática onde a aprendizagem é um degrau para chegar mais além. Onde o que aprende hoje só se justifica se tiver alguma utilidade para o que precisa de saber amanhã e que a permitirá chegar mais longe. E debitar as dinastias não a faz mais feliz, não a leva mais além. O que a leva mais além é conhecer os seus próprios limites para se saber ultrapassar a si própria.

Simone sabe, porque já o sofreu, que os nossos maiores esforços podem muitas vezes ser reduzidos a pó e que há momentos na nossa vida que são verdadeiras granadas capazes de aniquilar degraus importantes da nossa escala. Mas Simone também já aprendeu que esperar, ao contrário de decorar as dinastias, é muito mais do que perder tempo. É aguardar por algo que queremos muito mais do que tudo.