Sentei-me no carro e fechei a porta com força. O sol da manhã entrava pelos vidros e obrigou-me a fechar os olhos. Há dias da nossa vida que pensamos que podem vir a ser o último.
Encostei-me à cadeira do carro e liguei o rádio achando que as vozes animadas dos locutores dos programas da manhã cumpririam por certo o seu objetivo e me transmitiriam a energia que eu acabara de perder. A minha cabeça estava a mil e nela se conjugavam milhares de hipóteses e cenários nunca antes equacionados. É espantoso como em alguns momentos da nossa vida o próprio tempo verbal do futuro passa de simples a composto e o "farei" rapidamente se transforma em "teria feito".
Tentei ser indiferente a tudo isto e calar as vozes e os pensamentos que me martelavam na cabeça. Mas a indiferença é um sentimento que desconheço e que não consigo conceber nomeadamente quando me refiro ao meu passado, aos meus sentimentos e, principalmente, à minha vida. Talvez consiga conceber a sua viabilidade e existência quando penso nas coisas que nunca mais voltam, pois só para essas consigo arranjar um caminho para as resolver na minha cabeça, como uma prova de que pertencem ao passado. Um caminho sem volta.
des.ti.no [dəʃˈtinu]: poder superior à vontade do homem que se supõe fixar de maneira irrevogável o curso dos acontecimentos; fatalidade.
Nesse momento as vozes animadas e até fúteis dos locutores de rádio dão lugar a uma música que me faz pensar se o destino não será realmente aquilo que vem nos dicionários: algo programado e premeditado para acontecer em determinado momento das nossas vidas.
No rádio tocava "Todo o tempo do mundo" e a música começou, de uma forma inexplicável, a absorver tudo à minha volta. O som começou a crescer e, dentro da minha cabeça, as dores aumentaram juntamente com uma mistura de luzes, sons e demasiadas cores. Muita confusão.
Encostei a cabeça ao volante, onde já descansava os braços, e a música transformou-se num único pedaço de refrão que soava sem parar, vezes sem fim:
"Houve um tempo em que julguei
Que o valor do que fazia
Era tal que se eu parasse
o mundo à volta ruía"
Apaguei o rádio e veio finalmente o descanso. Sentia-me incapaz de processar toda aquela mistura de colcheias, fusas e semi-colcheias que tinham inundado a minha cabeça tal qual um choque eléctrico e percebi que não, não só não temos todo o tempo do mundo como afirmava o compositor, tão seguro de si, como o mundo não ruiria se parássemos para dedicar parte dele a todos aqueles que nos amam e que lutam diariamente pela nossa atenção. Porque só eles nos dedicam aquele amor ardente que nos seus olhos tão puro vive.
É quando percebemos que não temos todo o tempo do mundo que percebemos também que não temos uma única vida, mas sim duas. A que termina e a que começa num só único e preciso momento: Aquele.
É quando percebemos que não temos todo o tempo do mundo que percebemos que, o que todos temos, é a música do coração.
Há dias da nossa vida que pensamos que podem vir a ser o último. Há dias da nossa vida que percebemos que podem ser o primeiro.