Suponho que te estorva a minha companhia. Espero-te lá em baixo - despediu-se o humano.
Zorbas permaneceu ali a contemplá-la, até que não soube se foram as gotas de chuva ou as lágrimas que lhe embaciaram os olhos amarelos de gato grande, preto e gordo, de gato bom, de gato nobre, de gato de porto.

Assim termina a história de um gato que prometeu a uma gaivota, apanhada por uma maré negra de petróleo, momentos antes desta morrer, cuidar do ovo que acabara de pôr.

Zorbas, um gato de palavra, um gato do porto, cumprirá as três promessas que nesse último sopro de vida se vê obrigado a fazer-lhe: *"não lhe comerá o ovo, tomará conta da pequena gaivota e ensiná-la-á a voar".

E é com esta fábula de esperança que uma corajosa professora de português desafia os seus alunos do 7°ano, pré-adolescentes com cérebro em forma de consola, imaginação feita de pixeis, com sonhos e duelos vividos no estranho mundo do Minecraft a encontrarem, em 200 palavras, um desfecho final que, a bem entender, esconde um enigmático "To be continued..." à boa maneira do mestre Hitchcock.

Confesso que fiquei aterrorizada quando a primeira versão de Simão que começava com Ditosa - a formosa gaivota - a ser fulminada por um raio e a cair em espiral aos olhos aterrorizados de um gato preto, gordo, bom e nobre que corria para ela debaixo de uma intensa tempestade, em câmara lenta, enquanto gritava "Nãããooooooooooo.....". Fulminei-o com o olhar e perguntei-lhe, impávida e serena, se o final da história era suposto ser um filme de terror.

- És tu que dizes que devemos ser dramáticos - respondeu-me ele prontamente, mas de forma irónica.

- Isso não implica que tenha de ser uma tragédia, das quais o mundo em que vivemos é fértil só por si. Esta é uma história de esperança e assim deve continuar a ser. Não a respeitar, é desvirtuar uma obra e isso sim, é uma falta de respeito para com o autor e acima de tudo com todos aqueles que a acompanharam do início ao fim. Na vida há tempo para tudo, inclusivé para gozar com as coisas. Acredita que este não é este o tempo certo. Se te esforçares, algo me diz que conseguirás voar tão longe quanto Ditosa.

Passei-lhe o papel para a mão não conseguindo disfarçar a minha irritação por, naquela cabeça, tudo servir de tema para um argumento do Call of Duty.

É com orgulho que partilho convosco o resultado final. É com orgulho que partilho convosco as 192 palavras de uma mensagem de esperança, 192 palavras que me deixam acreditar que Simão bateu pela primeira vez as suas asas e se pôs a postos para um vôo que, para cada um de nós, é tudo.


Ditosa acabou por desaparecer no ar no meio da tempestade. Zorbas fechou os olhos e murmurou:

- Vai com Deus.

O gato grande, preto e gordo pensou naquilo que tinha acabado de dizer ao humano "(...) só voa quem se atreve a fazê-lo." Nesse momento, Zorbas pensou na liberdade que Ditosa estaria a sentir, naquilo que estaria a ver e nas coisas novas estaria a conhecer. Dentro dele começou a nascer o desejo de sentir o mesmo que Ditosa estaria a sentir. Desceu as escadas, foi ter com o Humano e disse-lhe:

- Nunca pensei ter saudades de um pássaro. Sempre achei que eram bons para comer. Afinal, conseguimos ser amigos dos animais mais improváveis. Depois de miar um risinho parvo, continuou:

- Também, fiquei com vontade de partir; e de voar também. Hehehe!!!"

Limpou disfarçadamente uma lágrima e afirmou:

- O armazém, sem ela, vai ficar muito silencioso. Tu, que és um poeta, escreve um poema aos meus donos onde lhes traduzas os meus miados. De certeza que eles entenderão a minha vontade de partir. Ditosa ensinou-me que a sorte protege os audazes.

Dito isto, despediu-se do Humano e partiu.

Simão, nº 29, 7ºA