Verdes são os campos da cor do limão. Verdes são os olhos do meu coração.

Era assim a melodia que crescia no ar e me fazia recordar o ditado "olhos verdes são traição, são cruéis como punhais".

Aplicando a analogia matemática da regra quase três simples, poderemos dizer que os campos cor de limão também serão a cor da traição.

Maldita primavera. Aproximas-te lentamente, invades os nossos corações cansados do choro do inverno e, de uma forma subtil digna de uma velha feiticeira, alicias-nos com as primeiras flores cheias de vida que formam verdadeiros tapetes amarelos sobre o há muito esquecido verde e voltas a encher a nossa alma de esperança. Cínica. És cínica e perigosa, tal qual as sereias que enfeitiçavam com o seu canto os bravos marinheiros dos tempos dos descobrimentos e despedaçavam os seus barcos contra os penhascos.

Não podemos nunca esquecer que este amarelo tapete de esperança, que invade os campos com um sopro de vida há muito adormecida pelo inverno, não passa na realidade de uma teia de flores daninhas que se não forem atacadas e exterminadas logo de início matam muitas plantas e impedem outras tantas de nascer. Os homens até as baptizaram de "azedas" para nunca disso se esquecerem cada vez que as chamam pelo nome, mas é impossível ficar indiferente a tanta tentação de cor e beleza.

Sempre senti alguma empatia com o inverno, confesso. Não tanto pela sua dureza e capacidade de testar a nossa resiliência mas, acima de tudo, pela sua sinceridade. Do inverno ninguém tem grandes expectativas. Ele é o que é. Todos se preparam para ele. E por mais duro e severo que possa ser, a verdade é que nunca nos desilude. No limite, surpreende-nos pela positiva e é recordado como o "melhor inverno dos últimos 100 anos". Ou o "mais quente". Ou o "menos chuvoso". Mas sempre, sempre, por bons adjectivos.

"Somos o que somos, muito por quem nos rodeamos", disse-me um destes dias Leonor numa das nossas muitas conversas sobre nada em especial e que no fim nos levam sempre a tanta coisa em concreto.

E de facto, a vida ensina-nos que são as pessoas de quem sentimos falta às duas da tarde, no meio de todo o stress e azafamas diários, aquelas que realmente nos fazem falta e marcam a diferença na nossa vida. Não aquelas de quem nos lembramos às duas da manhã quando nos sentimos absolutamente sós.

Muitas pessoas passam por nós ao longo da vida, poucas deixam rasto e raras, muito raras, serão aquelas que amarão como nós as coisas que foram nossas. E é por isso que há dias que a nossa réstia de forças vai para não deixarmos morrer nem cair de cansaço as coisas que são nossas, que construímos com todo o esforço, carinho e dedicação. Dias em que cerramos os dentes e lutamos para não deixar que estas acabem invadidas ou destruídas por estranhos ou, muito pior, supostos amigos. Se assim for, então mais vale estar realmente só do que falsamente acompanhado.

É certo que na vida não podemos escolher se somos magoados. Mas podemos ser cautelosos e reduzir ao máximo o risco na escolha de quem nos magoa.

A memória daquilo que somos, daquilo que fazemos, daquilo que construímos é a nossa maior herança. Não quero nunca que digam que a minha ponte para a eternidade foi construída com esperanças estranguladas. E por isso esforço-me por renovar de vida as coisas que amo, para que herdem de mim aquilo que tenho de melhor, para que contagiem os outros com essa parte de mim.

Identifico-me com o inverno. E esforço-me para um dia ser recordada com os melhores adjectivos.

Ninguém poderá, nem nunca vai dizer, que não estive aqui. E essa será, concerteza, a minha semente para a imortalidade.